Leituras MMXIV
O preſbítero Felipe Sabino d’Araújo me pede a liſta dos dez melhores livros que li em MMXIV. Talvez ele eſteja entusiaſmado demais pelo tamanho da minha liſta no Goodreads, que chegou a mais de duzentos livros, mas talvez ele ſe decepcione — muitos deßes livros ſão quadrinhos, que os japoneſes coſtumam editar em pequenos volumes, perfazendo aßim a maioria dos volumes lidos no último ano. Nem tudo eſtá perdido, entretanto: há alguns mangās que ſão bem obras de arte, embora eu tenha de confeßar que os li mais para deſopilar o fígado, meſmo, como diz minha família.
Não goſto muito de claßificar as coiſas em ordem de melhor ou pior, até porque ſempre digo que não há melhor ou pior geralmente; qualquer coiſa que paße do trivial terá aſpectos melhores e piores, o que pode torná‐la melhor que outras para alguns fins, e piores para outros fins, ou para diferentes peßoas ou públicos. Mas, ſe penſar na variedade do que Deus me concedeu ler eſte ano paßado, dá para eſcolher algumas coiſas a comentar.
Antes de falar de títulos eſpecíficos, vale notar que em 2 014 houve alguns grupos de livros que me prenderam. Primeiro foi Hiſtória da Igreja, principalmente Reformada, por cauſa das aulas de eſcola dominical. Nem tanto quanto goſtaria, porque no ſegundo ſemeſtre acabou o eſpaço, o dinheiro e a energia, mas de qualquer maneira foi intereßante. Também li um bocado de Pelham Grenville Wodehouſe, publicado pelo Projeto Gutenberg. Muito mangā, incluſive o cláßico abſoluto Tezuka Oſamu — cláßico para o mundo; para mim, ainda não encontrei algo dele que realmente me agradaße por completo. E, principalmente, eſtou no meio de ler o catálogo do caro Jean‐Marc Berþoud, noßo preſbítero informal da ſaudoſa Égliſe réformée baptiſte de Lauſanne; tanto obras dele como que ele editou, do pr Pierre Courþial e de Eric Kayayan.
Uma nota um pouco fora do tema foi voltar a ver deſenhos animados japoneſes, do eſtúdio Ghibli. Le vent ſe lève (ſim, o título ſe refere a um verſo francês de Paul Valéry), La colline aux coquelicots (ainda ſem título em português), mas o que mais me impreßionou, talvez o filme mais belo que já tenha viſto, foi Kaguya‐hime no monogatari (idem, mas aqui o japonês já é mais conhecido dos afficcionados por mangā & animē. Cinema não é literatura, mas bem que poderia ſer… Kaguya‐hime é muito bem contada, uſando vários eſtilos conforme a hiſtória pede, e um deleite viſual. Comovente.
- Falando de animē o livro mais bonito viſualmente foi Tales from outer ſuburbia, do auſtraliano Shaun Tan. Um livro iluſtrado mais para adultos que para crianças, que conſegue ſer comovente ſem ſer piegas. O que vai de ſi, já que o piegas perde a capacidade de comover. E já diße que é lindo?
- Finalmente li o cláßico infantil Mary Poppins. Muito bonito, com aquele quê de aßuſtador que agrada e ajuda a formar as crianças, e que a atual geração Diſcovery kids não conhece até a paßagem traumática para o Cartoon network.
- Em Hiſtória, fiquei embaſbacado com Une hiſtoire alliancelle de l’Égliſe dans le Monde, do Jean-Marc Berþoud. Ainda não concluído, tive o privilégio de ler o raſcunho da primeira parte, enviado pelo autor. Nunca li hiſtória aßim, recorrendo conſtantemente tanto a citações das fontes primárias quanto às avaliações dos melhores e mais provocantes hiſtoriadores, principalmente mas não ſomente da Criſtandade, primeiro Reformada, depois oriental e até romaniſta. Mal poßo eſperar pelo reſto do texto, principalmente quando eſtiver encadernado em minhas mãos. Deve fazer parte das ſéries dirigidas pelo autor na editora L’Age d’homme, a Meßages & ſua ſubſérie incipiente Mobiles hiſtoriques, complementando um volume anterior ſobre L’Alliance de Dieu à travers l’Écriture ſainte. Une théologie biblique, e Calvin et la France : Genève & le déploiement de la Réforme au XVIᵉ ſiècle & Pierre Viret, un géant oublié de la Réforme : Aplogétique, éthique & économie ſelon la Bible, ambos conſeguindo trazer freſcor & entuſiaſmo a temas que, aqui do Braſil papiſta & tropical, poderiam nos parecer tão diſtantes & arcaicos. Révolution & Chriſtianiſme : une appréciation chrétienne de la Révolution françaiſe, obra coletiva dirigida por ele, também conſeguir lugar entre os fundamentos de minha biblioteca.
- A proſa poética de Naþan David Wilſon, em Notes from the Tilt‐A‐Whirl: Wide‐Eyed Wonder in God's Spoken World também é impreßionante. Mas, até pelo ſeu aſpecto exegético dum texto tão mal compreendido, ganha Joy At The End of The Tether: The Inſcrutable Wiſdom of Eccleſiaſtes de ſeu pai, Douglas Wilſon. Um complemento à altura a os ſermões ſobre Ecleſiaſtes do pr Emílio Garófalo neto. Tanto os ſermões quanto o livro belíßimos e deſafiadores. Aliás, homilética, aßim como cinema, ſe não é literatura devia ſer. Do meſmo Douglas Wilſon merece menção honroſa A Serrated Edge: A Brief Defenſe of Biblical Satire and Trinitarian Skylarking, complementado por Wit and Humor of the Bible: A Literary Study, livro antigo de Marion Daniel Shutter, que merecia ſer reeſcrito hoje por alguém com profundo entendimento de literatura do Levante, e dum ponto de vida reformado.
- O livro mais difícil foi ſem dúvida Outlines of Romantic Theology with Which is Reprinted, Religion & Love in Dante: The Theology of Romantic Love do Charles Williams, ſempre deſafiador. Merece ſer relido, quando eu tiver cultura mais extenſa.
- De literatura ligeira, mas nem por ißo menos bela, fico com The Man with Two Left Feet, and Other Stories do PG Wodehouſe. Proſa delicioſas, eſtórias pungentes ou hilárias, inglês impecável não no pedantiſmo mas na fluência e na elegância, até quando uſa gírias. Mas é até injuſtiça com ſuas outras eſtórias, como as de eſcola interna, de Mike, de Pſmiþ & de Ukridge.
- Quanto à política (grande política, a internacional, que os eſtadiſtas deviam fazer), finalmente li It’s Not the End of the World, It’s Juſt the End of You: The Great Extinction of the Nations do David Paul ‘Spengler’ Goldman, figura cujos artigos acompanho há uma década e que mudou minha maneira de ver a Hiſtória ſe deſenrolando perante os olhos. O que ſe eſperar dum economiſta judeu novaiorquino, muſicólogo e germanófilo? Ajudou que, logo antes de o deſcobrir, vinha lendo Ðe decline & fall of ðe Roman empire do Eduardo Gibbon.
- Eſte ano na minha biblioteca, de certa maneira, foi meſmo de Berthoud. Não podia deixar de incluir L'Alliance de Dieu (não confundir com o livro ſupracitado, cujo título mais extenſo começa com as meſmas palavras. Suſpeito que ſerá minha referência para teologia do batiſmo (não pædoaſperſão…) e da aliança, e que ainda o relerei.
- Vários mangā me agradaram em menor ou maior grau. Obras eßencialmente efêmeras, coletivas (em que peſe o papel fundamental do mangakā ſolitário ou em dupla), comerciais e folhetineſcas; mas Koe no Katachi, ſobre a intimidação e violência ſofrida por uma ſurdomuda numa eſcola japoneſa, me conquiſtou. Poderia ter citado o liriſmo de Siŋ ‘Yeſterday’ for me, o folcloriſmo de The Legendary Muſiŋs of Profeßor Munakata ou a reconſtrução hiſtórica e fantaſioſa de Jin.
- Ainda os franceſes: pr Courþial e ſeu Le jour des petits recommencements : eßai ſur l'actualité de la parole (évangile‐loi) de Dieu, ao lado do igualmente ſeu Fondements pour l’avenir. Finalmente vi o lado mais criſtão que a fúria dos teonomiſtas eſtadunidenſes ocultava.
Hors concours, não poderia deixar de citar a tradução da Bíblia por Louis Segond, verſão de 1 888. Um deleite, e ſem aquelas freſcuras de « ſacrificateur » em vez de « prêtre » que a verſão de 1 910 impingiu ao mundo proteſtante francês.
A liſta poderia continuar ainda. Mas paro por aqui ou não terei nem poßibilidade de atingir minha meta para MMXV. Baſta a cada ano ſeu mal. O que não ſei ſe conſeguirei, até por falta de pachorra, é ir atrás dos vários livros braſileiros indicados pelo Rodrigo Gurgel em ſeus Muita retórica – pouca literatura: De Alencar a Graça Aranha e Eſquecidos & ſupereſtimados.
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